Pode-se aplicar ao presidente interino Michel Temer a célebre crítica do
pensador Diderot à elite francesa que combatia as conquistas da Revolução de
1789:
-- Burgueses, vocês não entenderam nada...
Temer foi empossado sob uma revolta do movimento de mulheres, indignadas
ao descobrir que no ministério de Temer não havia nenhuma representante do
gênero. Menos de um mês depois, Temer indicou a Secretaria de Direitos da
Mulher. A indicada é a ex-deputada Fátima Pelaes, cujo currículo chega a ser
uma manifestação de falta de respeito pela luta das mulheres brasilieras na
última década e um convite a novas passeatas, ainda maiores.
"Será um grande retrocesso," reage Eleonora Menicucci, que foi
ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres no Governo Dilma. "Ela é
uma tremenda fundamentalista." Não se trata de uma crítica de uma
adversária política -- mas uma constatação objetiva.
Evangélica militante, na discussão sobre aborto, na qual a legislação brasileira
já é um atraso reconhecido em comparação com países onde a mulher foi capaz de
avançar passos mais largos na conquista de direitos, a secretaria é contra o
único avanço que recente ocorrido no Brasil
-- a lei que autoriza aborto em caso de estupro.
Não é só. Mesmo numa questão na qual é impossível empregar argumentos de
fundo moral ou religioso, o que é sempre questionável num país onde o Estado é
laico, a nova secretaria assumiu uma postura contraria aos interesses da
mulher.
Quando era deputada -- ela candidatou-se mas não teve votos para se
reeleger em 2014 - Fatima Pelaes votou
contra um projeto do deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), que defendia salário
igual para trabalho igual para homens e mulheres.
O pagamento de salários inferiores sempre foi uma forma de manter a
mulher numa posição de dependência e superexploração, o que torna a escolha da
ex-deputada como mais um péssimo sintoma do caráter retrógrado que o presidente
interino pretender imprimir ao Estado brasileiro -- o qual, até segundo aviso,
tem o direito de governar apenas
temporariamente.
Como vai se tornando uma tradição num governo empossado no calor de uma
campanha de tom moralizante, Fátima Pelaes levou na bagagem uma acusação de
desvio de verbas públicas para sua caixa de campanha. Logo terá de explicar-se
sobre isso também.
Então vamos ficar assim: uma secretária de mulher que é contra o aborto;
votou a favor de salário maior para homens; e precisa explicar-se sobre mau uso
de verbas públicas.
Parece que Michel Temer não entendeu nada, certo?
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