Pré-sal: o ouro do Brasil, entrevista com Fernando Siqueira

Um dos maiores especialistas em petróleo, Siqueira discorre sobre a importância do pré-sal para o país

Por Vanessa Ramos, jornalista da FNP

Fernando Siqueira é engenheiro aposentado da Petrobrás e um dos maiores especialistas em petróleo. É vice-presidente licenciado da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET) e conselheiro fiscal da Petros.

No mês de abril, Siqueira participou da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, em Brasília, indicado pela FNP para discutir e avaliar o projeto de lei 4567/16, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP) e já aprovado no Senado (PLS 131), que altera a Lei de Partilha e retira da Petrobrás a operação e a participação mínima obrigatória na exploração do pré-sal.

Durante entrevista para a FNP, Siqueira discorre sobre a importância do pré-sal para o país, que deve dar lugar, num segundo estágio, à reflexão. Confira abaixo.

FNP –Eu queria ouvir do senhor sobre qual é importância da Petrobrás para o Brasil e qual é o impacto do petróleo na economia brasileira?

A Petrobrás é a maior empresa brasileira e o pré-sal é a maior riqueza que Brasil já teve em toda a sua história. Então, a Petrobrás tem uma função estratégica importantíssima que é desenvolver tecnologia, supri o país de energia – a energia do petróleo é uma das mais eficientes do mundo, além de gerar empregos e tecnologia para as empresas nacionais. As outras empresas trazem de fora o trabalho, o projeto e os equipamento. Por isso, se uma multinacional explorar o nosso petróleo, o Brasil vai perder muito. A Noruega, por exemplo, na década de 70, era o segundo país mais pobre da Europa. Mas, ela descobriu o petróleo no mar do Norte, administrou bem esse petróleo e se tornou, hoje, o país mais desenvolvido do mundo. É o melhor índice em desenvolvimento humano, é o melhor índice em tecnologia, o melhor bem-estar social. Tudo isso porque administrou bem o petróleo e incentivou o crescimento do país. Por outro lado, os países que entregaram o petróleo para empresas estrangeiras estão na miséria: Japão, Angola, Nigéria, Líbia, Iraque e etc. A Petrobrás, explorando o petróleo do pré-sal, pode transformar o Brasil também num país dos mais desenvolvidos do mundo.

FNP –A quem interessa o desmonte da Petrobrás?

O desmonte da Petrobrás interessa aos países desenvolvidos que dependem profundamente do petróleo, porque o petróleo hoje é um energético insubstituível e ainda será pelos próximos 30 anos. Então, esses países que têm o seu desenvolvimento todo focado no petróleo e não tem reservas, precisam conquistar novas fontes. Por exemplo, os EUA têm 30 bilhões de barris e consome 10 bilhões por ano. A China tem 12 bilhões e consome 6 bilhões de barris por ano. A Índia e demais países asiáticos não tem reserva. O Japão e Coreia não tem reserva e todos eles dependem profundamente do petróleo para manter o próprio desenvolvimento. Eles estão numa insegurança energética muito grande. Já o Brasil, com o pré-sal, representa hoje a terceira ou quarta reserva mundial de petróleo. Um geólogo da Uerj fez um trabalho mostrando que o pré-sal tem de 180 a 270 bilhões de barris. Então, dependendo desse valor real, o Brasil pode de ter a terceira ou a quarta reserva mundial, sem contar que além do polígono do pré-sal ou até o limite do mar territorial, ainda existem alguns prospectos de petróleo muito promissor. Ou seja, o Brasil pode chegar aos 300 bilhões de barris. Então, ele virou alvo da cobiça internacional e do cartel internacional do petróleo, porque as empresas do cartel de petróleo já dominaram 90% das reservas mundiais. Hoje, dominam menos de 5% e são as maiores reservas do mundo. Se elas não tiverem reserva, tendem a desaparecer. Por isso, estão fazendo lobby no Brasil para mudar a lei no congresso e disponibilizar para elas.

FNP – Como você vê o Brasil se o pré-sal for entregue aos estrangeiros?

O Brasil terá perdido a maior chance da história de deixar de ser o maior país do futuro, porque essa é a grande chance. Se o Brasil administrar bem o petróleo, produzir num ritmo que atenda ao interesse nacional pode até exportar uma pequena parte para auferir recursos. Mas, tudo isso tem que ser numa produção controlada, num ritmo controlado. Então, se tirar a Petrobrás da condição de operadora única do pré-sal, como foi proposto pelo projeto do Serra, nós vamos jogar fora a nossa chance de ser um país rico, independente e desenvolvido.

FNP – Fernando, você teve na Comissão Especial na Câmara dos Deputados. Deu para sentir o clima, o que você acha que eles tendem a fazer?

Deu para sentir que a maioria, infelizmente, está imbuída da ideia de entregar o país. Você vê, o PMDB, chefiado pelo Temer, no programa deles chamado “A ponte para o futuro”, que eu acrescento dos EUA – para mim é a ponto para os EUA -, vai entregar o pré-sal, a Previdência, porque os bancos estão de olho do fundo de pensão, que tem quase 1 trilhão de dinheiro. Os bancos querem tomar isso e fazer a reforma da Previdência para favorecer os bancos. Então, esse programa do PMDB é tudo que os americanos querem: entrega das riquezas brasileiras. Nós estamos vendo que a Câmara vai, acho que maciçamente, votar a favor do projeto do Serra. No senado, a gente tinha alguma chance de barrar, mas o Romero Jucá, que é hoje o presidente virtual do PMDB e que é o relator no senado de todos os projetos importantes, foi até apelidado de “relator geral da república”, colocou uma emenda sem vergonha. A emenda é a seguinte: o Conselho Nacional do Petróleo (CNP) poderá entregar à Petrobrás algumas áreas do pré-sal. Por que esta emenda é enganadora? Porque na lei 12351, Lei de Partilha, no artigo 12 diz que as áreas estratégicas serão entregues à Petrobrás. Não diz poderá. Diz serão entregues a Petrobrás pelo CNP, o mesmo citado na emenda do Jucá. O CNP não cumpriu no contrato de Libra. O Libra foi 60% entregue as empresas estrangeiras. Petrobrás só ficou com 40%. Pela lei, teria de ficar com 100%. Com isso você vê que mesmo tendo um artigo dizendo que áreas estratégicas serão entregues a Petrobrás, o CNP não respeita. Agora então, que não vão ter compromisso nenhum. O projeto do Serra tem grandes chances ser aprovado na Câmara. Com qual objetivo? A Lei de Partilha, que foi uma recuperação bastante grande do governo Lula em relação ao do FHC, dá 30% de obrigatoriedade a Petrobrás. Deixa 70% livre para concorrer em leilão e por que eles querem tirar os 30%? Se ela for operadora única, ela inibe os dois maiores focos de corrupção que é o superdimensionamento dos custos de produção. Por exemplo, uma empresa compra um sistema – plataforma e etc.- por 2 bilhões de dólares. Ela manipula as despesas e declara que gastou 3 bilhões. O que vai acontecer? Essa despesa será ressarcida em petróleo. Então, ela vai ganhar ressarcimento em petróleo de 1 bilhão de barris absolutamente ilícitos. Dois bilhões, ela vai gastar. Mas, 1 bilhão que ela vai ter de retorno, ela vai gastar sem pagar impostos, sem dar retorno nenhum para o povo brasileiro. Outro foco muito comum no mundo todo é a medição fraudulenta. O cara produz 500 mil barris e declara que 300 mil. Nossa fiscalização é extremamente fraca. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) não fiscaliza nada. Então, nós vamos ter implantado no Brasil esses 2 focos de corrupção. Isso é extremamente preocupante.

FNP – A crise política do país está ligada a crise da Petrobrás?

Sem dúvida. O principal alvo dessa história toda é o pré-sal. Enquanto eles estão discutindo impeachment e etc., o processo de privatização da Petrobrás está andando de forma galopante. Só para comprovar isso, quando o pré-sal foi anunciado pelo Lula, em 2007, no mês seguinte o ex-presidente Bush reativou a IV Frota Naval e colocou aqui no Atlântico Sul. O Atlântico Sul tem o Brasil e a Argentina só. Como a Argentina já tinha desnacionalizado o seu petróleo nessa época, a reativação da IV Frota foi para “proteger” o Brasil. Ou seja, para controlar o pré-sal. Eles estão lá até hoje. O pré-sal é a grande sacada para os EUA. Por exemplo, Venezuela é hoje a maior reserva de petróleo do mundo, 300 bilhões de barris. Mas, o petróleo da Venezuela é um petróleo pesado, um petróleo menos valorizado. E o do pré-sal não. É o melhor que tem, leve, fácil de extrair. Os poços do pré-sal foram previstos, nos estudos iniciais, produzir uma média de 5 mil barris por poço. Está produzindo 35 a 40 mil barris. Tem poço até de 50 mil barris. O petróleo caiu de 100 para 30 dólares porque é uma estratégia dos EUA. A mesma feita com a Arábia Saudita, na década de 90, que desmontou a União Soviética. Quer dizer a União Soviética tinha 50% da sua renda oriunda do petróleo. Então, ao derrubar o petróleo, a União Soviética enfraqueceu muito e foi desmantelada. Eles, agora, estão repetindo a mesma estratégia justamente porque foi criado o grupo BRICS – Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul. O BRICS estava colocando em risco a hegemonia americana. Por isso, a maior agressão que pode haver ao principal fornecedor de tecnologia do BRICS, que é a Rússia, é derrubar o preço do petróleo. Assim, enfraquecem a Rússia e consequentemente o BRICS, de quebra, enfraqueceram a Venezuela, o irã e o pré-sal. Isso quer dizer que, ilusoriamente, os brasileiros não sentem o pré-sal como uma coisa maravilhosa.

FNP – Você acha que há manipulação nos resultados da Petrobrás?

Há. Ela não está falida nada. O presidente da Petrobrás [na época da entrevista ainda era Ademir Bendine] fez uma baixa contábil. A empresa deu, em 2015, um lucro bruto de 98,5 bilhões de reais. O EBITDA foi de 74 bilhões e o lucro líquido, 15 bilhões. Então, a empresa deu um lucro líquido de 15 bilhões, em 2015. Mas, a direção da Petrobrás deu uma baixa contábil, quer dizer, desvalorizou alguns ativos e criou um prejuízo virtual de 34,84 bilhões. O maior da história. Um prejuízo falso para não pagar impostos, não pagar dividendo e para não pagar o PLR dos operários.  Tudo isso são manobras para convencer o povo a não confiar na empresa, para não acredite que o pré-sal possa ser a salvação do país. Tudo isso são manobras executadas a mando do quartel de petróleo, como desmoralizar a Petrobrás e exacerbar a corrupção.

FNP – Quem vai pagar essa conta?

O povo brasileiro, que vai deixar de ter emprego, de ter desenvolvimento, de ter uma vida muito melhor. Não podemos deixar o pré-sal ser entregue para empresas estrangeiras. Temos que nos mobilizar. Além disso, temos que recuperar a imagem da Petrobrás para que ela volte a ter a confiança do povo. A Petrobrás é uma vítima da corrupção.

Foto: Sindipetro LP.

Fonte: http://fnpetroleiros.org.br/?p=10281
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