Democracia roubada. Um país enganado e humilhado

Para o semanário alemão Die Zeit, o afastamento de Dilma Rousseff foi “declaração de falência do Brasil”. No mesmo país, o site do jornal Der Spiegel, sob a manchete “Um país perde”, observou que o drama em torno da presidenta “é um vexame”, e que os políticos brasileiros apresentaram um “espetáculo indigno a prejudicar de forma duradoura as instituições e a imagem do país”.

No The Guardian, os ingleses leram, sobre Dilma: “Traída por seu companheiro de chapa, condenada por um Congresso contaminado por corrupção e insultada pelo abuso que sofreu como prisioneira da ditadura militar, sofreu um grande golpe”.

O afastamento de um governo por meio de impeachment sem crime é apenas uma face do golpe que humilhou o Brasil. A outra será o pesadelo representado pelo “novo” governo. A temporada de terror com objetivo de inviabilizar o projeto eleito em 2014 começou ainda na eleição, acirrou-se durante os 131 dias de segundo mandato e culminou com a imposição de um governo ilegítimo.

Montada pelos partidos conservadores – sem voto para eleger presidente, mas com farto patrocínio para dominar o Legislativo – com a cumplicidade de setores do Judiciário, a aventura golpista impõe um programa derrotado. Com a tradicional parcialidade da imprensa comercial, o tema da corrupção em breve será esquecido tão logo se esgote a caça aos petistas.

Antes de o golpe se consumar, pesquisas de opinião já apontavam grande rejeição a um comando de Temer. Não é para menos. Em outra investida da imprensa estrangeira, a britânica BBC levantou sua ficha.
Foi citado por delatores da Lava Jato, que apontaram relações do ex-vice com pessoas e empresas que participaram do esquema de corrupção na Petrobras, como as empreiteiras OAS e Camargo­ Corrêa. Nesta, aliás, segundo a BBC, a Polícia Federal encontrou em outra operação, Castelo de Areia, documentos que citam 21 vezes o nome de Temer ao lado de quantias que somam US$ 345 mil. Nem esta operação valeu para o Superior Tribunal de Justiça, nem a Procuradoria-Geral da República pediu investigação ao Supremo Tribunal Federal.

O Tribunal Superior Eleitoral também não admitiu incluí-lo nas quatro ações que o PSDB moveu para tentar cassar Dilma. Tampouco o ex-presidente da Câmara aceitou a cumplicidade do ex-vice nas “pedaladas” que assinou quando substituiu a titular. E nem mesmo a decisão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo que o julgou ficha-suja por irregularidades que praticou em campanhas eleitorais de correligionários atrapalhou sua posse.

A aliança formada para dar sustentação ao golpe também não é lá modelo de confiabilidade. Quase todos os partidos que infernizaram os governos Lula e Dilma por dentro, como integrantes da “base aliada”, indicaram nomes ao “novo” ministério e permanecem governistas. Com o agravante reforço da dupla PSDB-DEM, responsável pela cartilha neoliberal nos anos 1990.

Assim, o que esperar de nomes como Alexandre de Moraes no Ministério da Justiça – e portanto no comando da Polícia Federal? Aos inimigos, perseguição; aos amigos, como Geraldo Alckmin, Aécio Neves, Beto Richa – que têm em comum a plumagem tucana e gestões envoltas em denúncias não investigadas de roubalheira –, blindagem.

Na dúvida, falam por si sua atuação como secretário da Segurança Pública de Alckmin em São Paulo, estado onde o genocídio de jovens negros e pobres espanta o mundo e a repressão a movimentos sociais e da juventude lembra os piores momentos da ditadura. Ou como advogado de clientes que vão de membros do PCC a Eduardo Cunha.

Além do fato de que 350 deputados, 60 senadores e seis integrantes da equipe ministerial de Temer têm o nome envolvido em alguma investigação, as figuras de ­José Serra no Ministério das Relações Exteriores, Henrique Meirelles na Fazenda e Romero Jucá no Planejamento não trazem bons presságios.

O primeiro é um dos mentores das privatizações durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, e está presente em denúncias de negócios impuros jamais investigadas, reunidas a fundo no livro-reportagem A Privataria Tucana, de Amaury Ribeiro Júnior. Defensor da entrega do pré-sal a companhias estrangeiras, sua história o levou a perder duas eleições presidenciais, em 2002 e em 2010. Sua indicação significa distanciamento dos Brics, da América Latina e da África. E a volta à subordinação aos Estados Unidos.

Meirelles comandou o Banco Central durante quase toda a era Lula. É adorado no mercado financeiro, recusou cargo no segundo governo Dilma (agora se sabe por quê) e deve começar a colher nos próximos meses os frutos do ajuste fiscal que minou a popularidade da presidenta afastada. Os primeiros deles, a queda da inflação e da taxa de juros. O banqueiro é quer reforma previdenciária que eleve o limite de idade, reforma trabalhista e não aprecia a política de valorização do salário mínimo.

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